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porque o pássaro engaiolado não canta, lamenta.


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ilustração por Renata Debonis

Nenhum pássaro voa alto demais, se voa com suas próprias asas. - William Blake É normal nos dias de hoje avisos como "o material a seguir contém cenas de natureza violenta" e "aconselha-se discrição". O que normalmente se segue são cenas de violência e suas vítimas. Mas você não verá esse tipo de aviso em lojas de animais e zoológicos, por uma simples questão: animais enjaulados são aceitáveis socialmente e culturalmente. Papagaios gritando, tigres andando lentamente, elefantes se chacoalhando, orcas com olhares vagos pressionadas contra as paredes de vidro de um aquário não são considerados nocivos aos olhos e mentes de crianças e outros. Barras, vidros e outras barreiras são vistas como simples alterações do habitat e história desses animais. Contudo, o cativeiro é algo bem longe do natural. O conjunto de doenças e mortes prematuras que persegue os prisioneiros dos zoológicos e outros tipos de cativeiros são um contraste gritante contra os padrões de saúde da vida solta e livre dos animais selvagens. Elefantes que cruzam as savanas africanas e selvas asiáticas, e papagaios que voam sobre as árvores não exibem as feridas escancaradas de auto-mutilação que deforma seus equivalentes no cativeiro. Animais enjaulados e confinados - como prisioneiros de guerra, presos de campos de concentração e vítimas de violência doméstica - todos são candidatos a complexas síndromes de stress pós-traumático. Psiquiatra e traumatologista pioneira, Judith German, criou a categoria de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) para chamar a atenção dos profundos efeitos que o cativeiro impões sobre o prisioneiro, porque um diagnóstico de TEPT muitas vezes não consegue capturar o grave dano psicológico que ocorre do trauma prolongado. O Departamento de Relações dos Veteranos dos EUA descreve as vítimas de trauma a longo prazo como aqueles que foram "mantidos em um estado de captura, física ou emocional. Nessas situações a vítima está sob controle do agressor e incapacitada de fugir. Eles mantém um período prolongado (de meses a anos) de controle total sob o outro. Não é estranho que sintomas listados para humanos que sofrem de vitimização crônica, comumente são encontrados entre papagaios engaiolados.. Estuturas e processos do cérebro que controlam emoção, cognição, regulagem de stress em aves e humanos são comparáveis. Similar aos seres humanos que "já foram abusados repetitivamente", o trauma dos papagaios sobreviventes são mal diagnosticados e são culpados pelos sintomas do seu sofrimento, sendo "confundidos por alguém com um "caráter fraco". Traumas de papagaios são comumente tidos como "mal" ou "problema" de comportamento, que precisa de "treino" ou punição. Quando examinados sob as lentes do TEPT, os sintomas de muitos papagaios engaiolados são quase indistinguíveis dos sintomas humanos de prisioneiros de guerra e sobreviventes de campos de concentração. Incluem alterações de regulação emocional, consciência e relacionamento. Sintoma 1. Alteração da regulação emocional. Pode incluir tristeza persistente, pensamentos suicidas, explosões de raiva ou raiva reprimida. Cacatuas severamente traumatizadas que são resgatadas e recebem tratamento no santuário Midwest Avian Adoption & Rescue Services, Inc (MAARS) comumente exibem rápida movimentação na gaiola, pedidos de socorro, gritos, auto-mutilação, agressão como resposta a contatos físicos [humanos e outros pássaros], pesadelos, insônia. Papagaios são considerados como uma das espécies mais sociáveis, que se unem para a vida e vivem em bandos complex e muito unidos. Contudo, muitos papagaios resgatados ou abandonados que vão para o santuário estão severamente traumatizados e não formam relações com humanos nem outros pássaros. Em um estudo psiquiático de cacatuas guarda-chuva do sexo masculino (Cacatua alba) realizado no MAARS, o indivíduo "BB" foi diagnosticado com TEPT complexo. Ele foi criado em cativeiro e exposto a vários cuidadores que também eram instáveis (vítimas de violência doméstica, abuso de substâncias). BB passou para outros membros da família e vizinhos e levado para festas barulhentas para apresentações. Ele parece ter preferencia por humanos, mas de um modo geral, não é capaz de socializar com humanos ou aves. Seus avanços de relacionamento são conflitantes e confusos. ele canta e "dança" como forma de chamar atenção, mas quando um cuidador responde, sua resposta é sexual ou altamente agressiva (ataca, morde). Ele nunca mostra afeição por humanos ou outros pássaros, e mostra sinais de depressão e falta de auto-confiança e estima (crista baixa, retração, falta de afeto). Ele tem ataques de fúria (grita incessantemente, move erraticamente na gaiola e se comporta de maneira agressiva), se houver um ruído inesperado ou um estranho se aproximar. Seu humor e comportamento são imprevisíveis. Mesmo com tratamento e cuidados progressivos prescritos, "uma série de medicamentos para atenuar essa reação excessiva (amitriptilina, clomipramina, prozac) não houve resultados significativos e o prognóstico foi "pobre". Sintoma 2. Alterações de consciência. Inclui episódios em que a pessoa se sente alheia dos processos mentais e corporais. Outras cacatuas em recuperação apresentaram resposta nula a incursões sociais, permaneceram no fundo da gaiola o tempo todo sem se mover, olhando para o espaço vazio em transe e são difíceis de serem "acordadas" e fazem chamados de socorro e gritam quando deixadas sozinhas ou afastadas de companheiros. Outra cacatua guarda-chuva do estudo, TC (também diagnosticado com TEPT) estava depressivo ( não se mostrava, ficou no canto inferior da gaiola, desinteressado dos estímulos, hipo-reativo). TC demonstra altos níveis de ansiedade e depressão, preferindo ficar a maior parte do tempo sozinho em sua gaiola. O tratamento incluiu psicotrópicos para ajudar na implementação de terapias relacionais, mas ainda não foi obtido sucesso. Sintoma 3. Alterações na forma como o agressor é percebido e alterações nas relações com outros. Exemplos incluem isolamento, desconfiança.

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ilustração por Renata Debonis Em cativeiro, a ligação do papagaio com humanos é uma faca de dois gumes. Humanos são donte de comida, água e da própria vida, mas também o instrumento de ameaça e morte. Quando os papagaios são resgatados e levados ao santuário, eles normalmente têm dificuldade para confiar nos seus cuidadores humanos. Um caso é o de Lola, que foi resgatado e cuidado por Marc Johnson e Karen Windson do Foster Parrots, LTD, outro santuário sofisticado. Karen conta um pouco da sua história: Lola é um papagaio de asa verde de idade avançada, capturado selvagem. Ele foi levado a Foster Parrots em 2002. Ele já não tinha um dos olhos. Ossos quebrados em seus pés e asas. Seu rabo, completamente ausente. Uma parte depenada no topo da cabeça mostrava uma fratura craniana levemente côncava. Todos esses machucados em seu passado o deixaram com convulsões que periodicamente se manifestam em tremores e paralisia. Imagina-se que os machucados de Lola tenham sido provenientes de um ataque de um cachorro, mas a verdadeira tragédia é o fato que, mesmo após esse ataque, ele foi enjaulado numa caixa de transporte canino e mantido completamente isolado no porão de seu guardião durante vários anos. Mesmo depois de todos esses anos que estamos juntos, Lola ainda não gosta de receber carinho. Apenas quando uma convulsão ataca seu corpo e deixa-o parcialmente paralizado é que ele se rende a amor e carinho humano. Eu o coloco junto ao meu peito, faço carinho nele e massageio sua perna paralizada. Sua cabeça fica encostada e escutando meu coração. Mas quando ele fica satisfeito, volta a me rejeitar completamente. Tudo bem. Depois de toda dor e perda que esse pássaro sofreu nas mãos de humanos, eu mereço ser rejeitado. Ao mesmo tempo, eu tenho certeza que ele sabe o quanto eu me importo com ele. Essas são algumas razões pelas quais pássaros engaiolados não cantam. E se cantam, podemos apenas nos maravilhar pelo seu amor a vida e talvez esperança de um futuro diferente daqueles aos quais os condenamos.

texto original disponível em >

https://www.psychologytoday.com/blog/bear-in-mind/201110/why-the-caged-bird-does-not-sing

traduzido pela voluntária // Marina Piantino


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